segunda-feira, 2 de junho de 2008

O MULATO, de Aluísio Azevedo

Segunda obra de Aluísio Azevedo e um dos primeiros romances da fase realista no Brasil. Sua publicação obrigou o autor a se pirulitar de sua terra natal, São Luís do Maranhão, porque vários moradores se reconheceram nas páginas de Aluísio mesmo com nomes trocados. Digamos que nem todo mundo foi retratado de um modo simpático pelo escritor...

É inferior ao seu clássico, "O cortiço", já ambientado no Rio de Janeiro. Aluísio quis escrever uma história anti-racista e anticlerical (nos moldes dos romances de Eça de Queiroz). Não se pode negar que não tenha conseguido: o racismo dos personagens permeia toda a obra e um dos principais vilões é um sacerdote católico: o Cônego Diogo. O problema de um romance, digamos, de tese é que, no afã de comprová-la não raro o autor parte para a criação de personagens superficiais.

Mesmo pertencendo ao Realismo, "O mulato" possui rescaldos do Romantismo, o que pode ser facilmente percebido na história de amor impossível entre os protagonistas Raimundo e Ana Rosa.

Aliás, estes rescaldos românticos, com seus elementos melodramáticos, facilitariam a sua adaptação para a TV, por exemplo.

Vejamos.

Raimundo, o herói da trama, é um sujeito atormentado por não saber das suas origens. Volta ao Maranhão, onde nasceu, vindo de Portugal, por causa disso. Em São Luís, que alguns nativos aclamavam como a Atenas brasileira (uma cidade, de fato próspera, com a economia baseada na produção de algodão), ele se apaixona por Ana Rosa, sua prima. Quer casar-se com ela, mas o tio, que é o pai da moça, proíbe. O motivo tem a ver com suas origens: na verdade, apesar de não parecer, ele é um "cabra", sinônimo de mulato naqueles dias, filho de uma noite de amor entre um português e uma escrava. Foi alforriado na pia batismal. A sociedade racista, escravocrata de São Luís, por si só já condena o amor dos dois.

Quem também teme que o amor dos dois resulte em casório é o já citado Cônego Diogo, sujeito sem um pingo de escrúpulos, que acredita que o envolvimento entre Raimundo e Ana Rosa acabe resultando na descoberta de suas falcatruas - que envolvem, inclusive, o pai de Raimundo.

A coisa só tende a complicar quando Ana Rosa revela que está grávida de Raimundo e recusa a oferta do cônego: abortar a criança. Sim, isso mesmo: um religioso sugerindo um aborto. No século XIX.

A situação vai num crescendo até que, finalmente, chegamos num desfecho trágico - que eu não conto, lógico. Não sou estraga-prazer. Só posso adiantar que, nos dias atuais, é um dos meus clichês cinematográficos preferidos.

Percebe-se na obra passagens nitidamente autobiográficas, testemunhais, como a passagem onde o autor narra a festa de São João numa das fazendas que ficavam no entorno de São Luís. Na história esta fazenda pertence a Maria Bárbara, avó de Ana Rosa, racista até a raiz dos cabelos, daquelas que preferiam morrer a ver a neta casada com um negro.

Ali em cima eu disse que o desfecho da história é trágico. Digamos que o clímax - para ficarmos num jargão mais televisivo (ou cinematográfico, como queiram) - seja trágico. O desfecho é irônico e coloca por terra a idealização romântica do casal protagonista.